OS SETE TIPOS DE PESSOAS QUE AINDA APROVAM O GOVERNO BOLSONARO.

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
Published in
8 min readOct 15, 2021

“Assim como existe a folie à deux, existe uma folie à million— o fato de milhões de pessoas compartilharem a mesma patologia mental não torna essas pessoas sãs.” — Erich Fromm, em A Sociedade Sã.

Nada é certo neste mundo, exceto a morte, os impostos e a pesquisa do Datafolha indicando a queda na popularidade de Jair Bolsonaro. A mais recente, realizada entre 13 e 15 de setembro, indicou que o percentual de brasileiros que considera o governo “ruim ou péssimo” atingiu 54%. Já a fatia da população que avalia a atual gestão como “boa ou ótima” não passou de 22% no mesmo levantamento. Lembremos sempre que 22% é o número mágico: era o percentual que Bolsonaro tinha nas pesquisas de intenção de voto em 2018 antes do atentado à sua vida, e o mesmo percentual de gente que, de acordo com o Datafolha, afirmava em dezembro de 2020 que não pretendia tomar vacina contra a Covid-19.

Detalhar a abissal merda — econômica, política, ambiental, social, diplomática etc. — na qual o país se encontra é desnecessário. Mais interessante é tentar identificar quem são esses 22% da população que, apesar de toda a abissal merda que dispensa detalhes, continuam a bater palmas para Bolsonaro. Esse é o contingente que deve acompanhar o atual presidente até o amargo fim, ou, como o próprio previu, até a morte ou a prisão (as chances de vitória, por via eleitoral ou na mão grande, parecem praticamente nulas hoje).

Essa turminha do barulho que vive se metendo em altas confusões na defesa de Bolsonaro se divide em sete subgrupos:

  1. O Cidadão-de-Bem da Caixa de Comentários™;

2. O Übermensch Uniformizado™;

3. O Influencer Criptofascista™;

4. O Milionário Sociopata™;

5. O Obreiro da Meritocracia™;

6. O Deus Vultinho™;

7. O Idoso Contra-Tudo-Isso-que-Está-Aí™.

Cada subgrupo tem suas características, motivações e modos de atuação. Vamos conhecer um pouco mais sobre eles — afinal, conhecimento é metade da batalha ganha.

1. O Cidadão-de-Bem da Caixa de Comentários™.

Características: Os Cidadãos-de-Bem da Caixa de Comentários™, ou CBCC™ para simplificar, são os elementos basais, os átomos, a infantaria do bolsonarismo. Estão espalhados em todos os estratos socioeconômicos do país. Veem-se representados por Bolsonaro em vários aspectos: no ressentimento, na intolerância, no autoritarismo, no individualismo extremo, na atitude patrimonialista, no falso moralismo, no ódio aos intelectuais e à própria educação, na desconfiança de qualquer iniciativa em prol do bem comum. Enfim, o brasileiro médio da nova era.

Exemplares: todo autoproclamado cidadão-de-bem é um CBCC™. Os adeptos da playboycracia também. Naturalmente, eles costumam usar as redes sociais e demais fóruns da internet como megafone para seu ódio. Se tiver dúvida, confira o avatar: selfies dentro de carros, óculos escuros e bandeirinhas do Brasil costumam denunciar os integrantes da facção.

Afundam junto com o barco? O contingente de CBCCs™ que apoiam Bolsonaro vem encolhendo (lavajatistas e neoliberais já saltaram fora, por exemplo), mas quem aguentou até aqui ao lado dele não deve desistir.

2. O Übermensch Uniformizado™.

Características: O Übermensch Uniformizado™ é o fetiche aspiracional e o braço (literalmente) armado do bolsonarismo. Militares, policiais, bombeiros e guardas municipais sempre se consideraram uma casta superior, dotada de privilégios sobre os reles mortais. Bolsonaro, ele mesmo ex-militar, chancela essa crença e surfa nela. Afinal, os supersoldados bolsoneiros têm as armas e a autoridade para exercer sua liberdade sem se importar com as consequências. O presidente paparica os UU™ pois conta com o apoio deles no dia da inevitável virada de mesa.

Exemplares: estão por aí, do guarda da esquina aos ministros militares (estes “camuflados” com ternos civis). A brodagem se estende aos milicianos, boa parte deles ex-militares ou ex-policiais.

Afundam junto com o barco? O apoio ao governo entre os fardados é considerável, e deve permanecer assim, por motivos ideológicos e por identificação pessoal com a postura macho-alfa do presidente. Os diversos pacotes de bondades distribuídos pelo governo ao pessoal da caserna também ajudam na fidelização. Nunca é demais lembrar que os ministros militares estão entre os principais incentivadores da radicalização antidemocrática de Bolsonaro e não vão desistir da ideia do golpe.

3. O Influencer Criptofascista™.

Características: aquele bando de filhos da puta que descobriu a pólvora: defender Bolsonaro rende ~polêmicas~, cliques, audiência — e dinheiro. Encastelado no YouTube, nas redes sociais e em um pequeno punhado de veículos mainstream, esse grupo de arrombados se sente desimpedido para propagar fake news, discurso de ódio, preconceitos variados, ameaças de golpe, negacionismo e outras trolladas com graus variados de potencial daninho. Tudo, claro, em nome da liberdade de expressão.

Exemplares: eles estão no Facebook, no Twitter, no YouTube, na Jovem Pan, CNN, RedeTV!, Gazeta do Povo, na revista Oeste e, às vezes, até na Folha de S.Paulo e no Estadão. Olho vivo.

Afundam junto com o barco? Como o negócio deles é dinheiro, a tendência é que pulem fora à medida que a derrota em 2022 se configure inevitável. Os mais filhos da puta podem aproveitar para sair do armário, abraçar a causa e defender abertamente o golpe. Refiro-me, claro, aos filhos da puta que atuam em veículos mainstream. Os que chafurdam nas profundezas do YouTube e das redes sociais devem manter-se fiéis até o fim.

4. O Milionário Sociopata™

Características: antigamente, os ricos fingiam melhor. Lembram? Doavam dinheiro para entidades de caridade, fundavam institutos, financiavam museus. Os Milionários Sociopatas™ da era bolsonarista não se preocupam em fingir. Os caras querem mesmo que os pobres se fodam e não enxergam problema algum em proclamar isso ao mundo. Para eles, aderir ao governo Bolsonaro era um passo natural. Afinal, uma ideologia fundamentada no cada-um-por-si sempre será benéfica a quem já está por cima.

Exemplares: o patrono da categoria é o ministro Paulo Guedes. Entre os mais proeminentes Milionários Sociopatas™ podemos citar Luciano Hang, Silvio Santos, Marcelo de Carvalho, o arrependido Paulo Marinho, Flávio Rocha, Junior “Madero” Durski, Carlos “Não Wizard” Wizard, Gabriel Kanner, Otavio Fakhoury, os donos da Prevent Senior.

Afundam junto com o barco? Mais provável que sim. Mesmo porque, seja quem for o vencedor da próxima eleição, eles continuarão ganhando dinheiro. Então eles podem se dar ao luxo de serem sinceros quanto às suas preferências ideológicas.

5. O Obreiro da Meritocracia™.

Características: o Obreiro da Meritocracia™ é aquele sujeito que venceu (ou acredita ter vencido) “por conta própria”, pois é mais talentoso/esforçado/inteligente/carismático/bonito/determinado/engraçado/sedutor/forte/sortudo que a média da população. Ele desconsidera os contextos socioeconômicos e as diferenças naturais entre as pessoas e vive a pregar por aí que o sucesso é reservado a quem o merece. Individualista e egocêntrico, é incapaz de compreender o conceito de coletividade. Por isso tudo, o darwinismo social pregado por Bolsonaro soa como música a seus ouvidos. Afinal, se ele “chegou lá” unicamente por seus méritos individuais (como se isso fosse possível), qualquer um pode chegar. Basta querer! E justamente por ter chegado lá, ele se acha no direito de exigir “liberdades” que o diferenciem dos reles mortais.

Exemplares: os Obreiros da Meritocracia™ costumam se concentrar em profissões que supervalorizam o mérito individual: artistas de um modo geral (cantores sertanejos compõem uma seção das mais entusiasmadas), atletas bem-sucedidos (em especial futebolistas e jogadores de voleibol), influencers. ~Empreendedores~, coaches, daytraders, criptomoedistas e picaretas afins também entram no barco.

Afundam junto com o barco? A probabilidade é baixa. Como são pessoas que vivem de suas imagens públicas, a associação com um governo fracassado e derrotado nas urnas não é atrativa. A maior parte deles deve baixar a bola e assumir uma postura isentona (“Nada a ver falar em política”, “Meu partido é o Brasil” etc). Só os mais ideologicamente convictos devem resistir até 2022.

6. O Deus Vultinho™

Características: o Deus Vultinho™ não é bolsonarista de raiz. Mas enxerga no Mito a figura do líder forte e autocrático que personifica a identidade nacional e a vontade popular na defesa dos “valores tradicionais” — traços muito prezados pelo grupo. A categoria agrega um heterogêneo grupo de malucos. Conta com os olavistas, que sonham com um retorno ao mundo pré-iluminismo; os conspiracionistas, com a cabeça cheia de globalismo, terraplanismo, climatismo e outros ismos; os monarquistas e seus anseios de reinstituir o Brasil Império; e outros grupos mais atrasados na escala evolucionária, como os incels, os anarcocapitalistas-com-avatar-de-anime e os tupinivikings.

Exemplares: os Deus Vultinhos™ já gozaram de maior prestígio dentro do bolsonarismo. Ícones como Ernesto Araújo, Filipe Martins e Abraham Weintraub foram rifados pelo Planalto ao exagerarem na alopração. É provável que ressurjam em 2022, concorrendo a cargos eletivos. Com suas pretensões de se tornar um líder global da nova extrema direita populista, Eduardo Bolsonaro sempre manterá o deusvultismo próximo do poder (até o ano que vem, claro). Mas o poster-boy definitivo é Paulo Kogos, que consegue reunir todas as características descritas no parágrafo anterior.

Afundam junto com o barco? Muito provavelmente sim. Eles até fazem críticas pontuais a Bolsonaro, mas nunca se afastam de forma categórica.

7. O Idoso Contra-Tudo-Isso-que-Está-Aí™.

Características: Todo Cidadão-de-Bem da Caixa de Comentários™ tem o potencial para se tornar um Idoso Contra-Tudo-Isso-que-Está-Aí™. Basta que ele viva o suficiente. O ICTIEA™ é um dos mais irredutíveis bastiões do bolsonarismo, e na verdade o precede. Mesmo antes de Bolsonaro surgir, todo mundo conhecia um ou mais idosos que dedicavam sua inteira existência a reclamar de tudo isso que está aí. Governo, oposição, judiciário, empresários, imprensa, intelectuais, esquerda, direita, elites, pobres, tudo está sempre errado para esse grupo. A ascensão de Bolsonaro ofereceu aos ICTIEAs™ um representante ideal. Mais que isso, um presidente que prometeu destruir tudo isso que está aí.

Exemplares: basta dar uma olhada no público médio das passeatas em apoio ao governo. Sergio Reis, Roberto Jefferson e Batoré são alguns dos porta-vozes que estiveram em evidência recentemente. É uma categoria que se presta a crossovers; muitos Milionários Sociopatas™ também integram o grupo. Já Alexandre Garcia é uma mescla de Influencer Criptofascista™ e Idoso Contra-Tudo-Isso-que-Está-Aí™.

Afundam junto com o barco? Sem dúvida. A menos que afundem sete palmos no solo antes.

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)