de barco #10

Café das sete
Revista Passaporte
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7 min readJan 2, 2021
Comunidade São Marcos

Oi! Esse é um diário de viagem, temos parte 1, 2, 3 ,4, 5 , 6, 7 , 8 e 9

14/01/2019

a vida na beira do rio

Acordo às 5 hrs com cólica e está chovendo, Luizinho faz uma tapioca com tomate pra mim o que melhora um pouco meu humor. Por causa da chuva meu táxi não sobe até a pousada e preciso descer a pé pela estrada de terra, ele me pega no meio do morro. Chego na cidade encontro com Helena e Luíza, acabo omitindo pra elas que o passeio vai rolar sem saber que o plano mudou e elas estão incluídas novamente. Encontro Victor e Marlena e vou até o Mingote, o minimercado da região para tirar dinheiro no caixa rápido, também compramos cerveja para levar no passeio do dia. Hoje, estamos na lancha do Marcelo, um amigo de Marley, a estrutura do barco é bem mais confortável. Seguimos em direção ao rio Arapiuns, um dos afluentes do Tapajós, nossa guia do dia é a própria Marley que diz gostar muito da região que estamos prestes a visitar.

Produtos da Comunidade Urucureá

A primeira parada é na comunidade Urucureá, visitamos uma lojinha com alguns artigos de palha feitos pelos moradores, tudo é muito lindo, mas por ser a primeira parada decidimos não comprar muitas coisas, até que Marley dá a dica dizendo que essa comunidade tem os trabalhos mais bonitos da região toda, então decidimos comprar alguns itens. Os produtos são todos feitos com palha natural ou tingida, no centro de Alter é possível comprar o mesmo tipo de produto, mas ali por estarmos diretamente na fonte eles são bem mais baratos e são muito baratos mesmo. Na peça vem uma etiqueta da cooperativa Turiarte e junto um nome, na grande maioria de mulheres, é o nome da artesã responsável pela peça. A loja e a cooperativa vendem os produtos de todas as famílias ribeirinhas e após a venda repassa o dinheiro ao responsável pela peça.

Voltamos para lancha e paramos uma ilha para nadar, um monte de areia no meio do rio com uma longa extensão, ficamos por ali curtindo um pouco aquela ilha no meio da imensidão de rio até partimos para a segunda comunidade, a Coroca. Nessa parada fizemos uma visita guiada por uma local a uma criação de apicultura (abelhas) e uma de tartarugas, ela nos explica sobre o processo de apicultura. Na hora das tartarugas subimos numa espécie de deque de madeira flutuante, onde vamos até uma parte do lago em que podemos jogar rações pela água, imediatamente começam a surgir olhinhos curiosos e cabecinhas, são as várias tartarugas do local. Marley gravou um vídeo nesse dia e postou por AQUI.

Lago das tartarugas — Comunidade Coroca

Os dois locais ficam a alguns metros de distância do restaurante, onde almoçamos. Como sempre comidinha caseira, peixe, feijão com legumes, tudo muito simples e MARAVILHOSO, óh lugar que se come bem é o norte! É comum que nos restaurantes desses passeios sempre tenham algumas redes, aquele famoso cochilo depois do rango. Logo após a refeição vão se abrindo redes pela tenda e o espaço vira um quarto sem paredes, onde todos descansam. Passam se alguns minutos naquela tranquilidade e do nada começa uma ventania que tem cheiro de chuva, o vento faz redemoinhos na areia branca da orla do Rio, as árvores balançam e de repente um barco que estava parado vira. Moradores tentam virá-lo e dois amigos nossos correm para ajudar, depois de alguns minutos eles tem sucesso e Victor volta dizendo que foi difícil, pois o barco era muito pesado. Quando a tempestade de vento se acalma subimos na lancha em direção a nossa última parada do dia, a comunidade São Marcos.

Desde o primeiro dia dessa viagem eu sempre me senti muito privilegiada e envolvida de muita energia positiva, era como se o universo tivesse trilhado para que os acontecimentos da minha jornada fossem o mais legal possível. Nessa parada mais uma das coincidências do bem, ao chegarmos na comunidade alguns moradores faziam o processo do tucupi, que só acontece uma vez na semana. Acho que depois do Masterchef (que foi onde eu conheci) o tucupi ficou mais famoso em outras regiões do Brasil, mas no norte é um ingrediente comum da culinária. O processo é o seguinte: eles ralam a mandioca braba (que é diferente da que estamos acostumados a comer) e espremem para sair o liquido dela, esse líquido que recebe o nome de tucupi, é fervido e após fervura usado em vários pratos típicos da região, como tacacá, arroz paraense, no pato com tucupi, na caldeira, entre outros.

Nesse processo também é feita a tapioca. O amido/polvilho é separado do líquido e lavado, após seco é esquentado no forno formando os grãos da tapioca. A outra Helena logo fica animada para comprar a goma. Uma curiosidade é que nós duas além da semelhança no nome e na área de formação também somos muito sentimentais com as histórias do povo, com elementos naturais daquele lugar. No dia anterior ambas voltamos do passeio com pedras, folhas, casca de árvore e hoje não foi diferente. Começamos a conversar com duas mulheres muito simpáticas, mãe e filha, são elas que trazem a goma para minha xará, que diz querer comprar também a cuia recipiente usado para transporte da goma, eu logo afirmo que também quero comprar uma cuia, a senhora vai até uma casa próxima e traz mais algumas. Escolhemos cada uma de nós suas cuias e vendo a nossa animação a senhora nos presenteia com algumas cuias pequeninas. Agradecemos e vamos para a lojinha ao lado que conta com os mesmos itens de palha, além de algumas bijuterias feitas de sementes. Decido comprar umas cestinhas de palha para minhas amigas, minha mãe e minha irmã.

Voltamos para o barco e umas pedrinhas brancas caem da minha sacola, Helena olha surpresa dizendo, “são minhas” e eu respondo, “não, eu peguei lá Coroca”. Ela abre sua sacola onde contém as mesmas pedras e nós duas nos rimos, coisa de Helena. Retornamos ao centro de Alter, nos despedimos de Helena e Luísa e vamos, eu, Marley e Victor em direção ao Espaço Alter, o mesmo local da festa do carimbó, que também tem um restaurante chique. Como eu estava sendo muito econômica na minha alimentação decido me dar esse presente. De entrada dividimos uma coxinha de frango com jambu e um ceviche. No prato principal, eu pedi um filé au poivre com arroz de jambu, tudo uma delícia. Peço meu táxi e volto para a pousada. Hoje também está frio, decido não tomar banho e também a não fazer nenhum passeio no dia seguinte para poder descansar um pouco.

Sento na área de convivência da pousada para escrever o resumo do dia de hoje, que guia a escrita desse diário. Enquanto escrevo, escuto um barulho de bicho diferente do de costume, mas só uma vez, ignoro e vou dormir. Hoje foi um dia muito especial, porque foi um dia de conexão com o povo. As comunidades que vivem à beira do Rio tem uma relação muito intensa com a natureza, entendem que somos todos parte de um ecossistema. Elas respeitam o tempo de colher, quando tem ventania, senta e espera passar. Não existe a lógica de vamos construir um método ou um transporte que consiga navegar no rio agitado. Espera. Contempla. Tirando a parte da visita às tartarugas e as abelhas, o resto do dia foi ver as pessoas, estar entre elas, nada muito turístico nos moldes do capitalismo, apesar de claro, envolver capital, mas super simbólico, afetuoso e uma memória muito boa para guardar para sempre. Mesmo que tenham sido rápidos momentos.

… continua em “vatapá da Dona Glória” — de barco #11

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Café das sete
Revista Passaporte

Por Helena Merlo. MUITOS erros de digitação pq eu escrevo na fritação do sentimento! CATARSE. "A arte é uma confissão de que a vida não basta" F.Pessoa