OMBUDSMAN: Em busca de boas histórias para ver, ouvir e navegar

Reportagens do Especial Junho Vermelho e Laranja da Beta Redação exploraram mais recursos multimídia

Rodrigo Westphalen
Redação Beta
8 min readJun 24, 2022

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Visualizador animado de gráficos meramente ilustrativo.
Recursos visuais são importantes, mas o centro de uma reportagem precisa ser a vivência humana. (GIF: @singularfact)

Em entrevista ao Observatório da Imprensa, os jornalistas Vera Guimarães Martins e Caio Túlio Costa, dois ombudsmen da Folha de São Paulo que trabalharam no jornal em épocas diferentes, comentam a figura caricata do “engenheiro de obra pronta” que tal papel acaba alcançando aos olhos dos colegas de profissão. Afinal, não é fácil ler críticas sobre o seu trabalho expostas sob um holofote por alguém que não parece ser dotado de tanta autoridade. Sinto-me um pouco essa figura… Mas, ao mesmo tempo, percebo uma preocupação diferente dos repórteres com seus produtos a partir das observações feitas nas colunas escritas em conjunto com os leitores.

A boa notícia é que nessa relação, só há ganhadores, e é possível sentir essa conquista na comparação dos textos publicados no último Especial da Beta Geral sobre Junho Vermelho e Laranja com os anteriores publicados ao longo do semestre. Mas, antes de começar, importa fazer um mea culpa. Ainda que agora não haja rastros, o texto de introdução do Especial, de minha autoria, apresentava de maneira equivocada a informação de que seis meses após a retirada de um piercing de língua ou genital já seria possível doar sangue novamente. Essa informação foi ouvida de fonte e não foi confrontada com a fonte da fonte, a portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde, que regulamenta os procedimentos hemoterápicos e define o prazo mínimo em 12 meses. A informação correta foi trazida por Henrique Tedesco e Mariana Necchi na matéria #1salva4.

Ler, ver, ouvir e navegar

Aproveitando o gancho, a matéria citada foi um sucesso entre as pessoas do Conselho de Leitores. Não só pela forma criativa, detalhada e persuasiva como apresentou as informações — “tem a capacidade de engajar potenciais doadores”, escreveu Daniel Gruber, “nos faz realmente pensar sobre o motivo pelo qual não doamos sangue” — mas também pelos recursos visuais utilizados.

Ela representa bem a tendência de maior uso de recursos estruturais e multimidiáticos nas reportagens. Diversas matérias se destacaram, ou pelos infográficos, ou pela inserção de vídeos, ou pelo uso de listas, ou — caso que me chamou muita atenção — pelo gráfico interativo embutido na matéria de Gabriel Ferri e Arthur Schneider. Essa busca por aproveitar mais as potências multimidiáticas dos textos na web é louvável.

Como indicação de melhoria, a leitora Caroline Roveda Pilger sugere ajustar a apresentação dos blocos de texto dos infográficos sempre à esquerda ou à direita — evitar o modo justificado, por criar “caminhos de rato” com o grande espaçamento das palavras.

Pé no chão

Em geral, os textos apresentam bons títulos, linhas de apoio e lides. Quem se destacou por isso foi o texto da Clarice Almeida. “A frase de abertura é instigante e perspicaz, e nos chama para continuar lendo”, comentou Daniel Gruber, de Novo Hamburgo. Ele complementa que a matéria é excelente, principalmente por abordar a dificuldade de captação de doações de sangue dos hospitais por uma outra perspectiva, não apenas de conscientização de doadores, mas material e estrutural, de mobilidade dos interessados. “Sem ficar fazendo rodeios com dados abstratos, a matéria logo foca na realidade da região”, comentou.

Outras matérias ainda pecam nesse quesito, se afastando muito da realidade com dados abstratos e sem apresentar um case ilustrativo. Parte também acabou emaranhada em jargões médicos, herméticos à quem estaria apenas de passagem, procurando distração em alguma informação interessante, sem ser especialista ou estudante da área.

O tema interessantíssimo do sangue de cordão umbilical, abordado por Vitória Pimentel é um exemplo ofuscado pela linguagem utilizada — que tentou dar conta de questões muito técnicas, enquanto não apresentou uma pessoa que tenha se beneficiado do procedimento, nem explicou como se faz a coleta (e tenho ainda mais curiosidade sobre isso ao saber que existe no sistema público).

Meta-narrativa

A matéria de Gabriel Reis e Isaías Rheinheimer é um exemplo positivo e surpreendente de case. O que começa com ares de investigação e denúncia de descaso político, acaba, em uma reviravolta, se tornando um excelente serviço de divulgação meta-narrativo do Hemovida (em que a reportagem divulga o local durante a reportagem e reporta a divulgação como forma de divulgação — saca?).

Brechas

Essa divulgação de um local para doação no Vale do Sinos faltou na matéria de Henrique Tedesco e Mariana Necchi. Renato Westphalen, arquiteto aposentado de Novo Hamburgo, apontou essa brecha.

Outras duas brechas foram deixadas por todas as matérias. Uma delas é a falta de explicação sobre a “autorização” que sempre se diz necessária para jovens entre 16 e 18 anos doarem sangue. A leitora Gabrielle Oliveira apontou esse vazio na matéria mencionada acima — tudo está muito bem detalhado, exceto esse ponto. Como é a autorização? É em cartório? É uma autorização verbal? Ou é somente acompanhado dos responsáveis (como diz a matéria de Luana Ely Quintana e Torriê Aliê)?

Veja a resposta aqui.

A segunda brecha, apontada por Caroline Roveda, é sobre o motivo de existir diferença de intervalo mínimo entre doações para homens e mulheres. O que encontrei, segundo o blog do banco de sangue de Caxias do Sul, foi que esses são os tempos necessários para os corpos reporem os glóbulos vermelhos, que carregam moléculas de ferro, de modo a não gerar um quadro de anemia nos doadores. Curiosamente, encontrei também a recomendação feita pelo National Institutes of Health, do governo estadunidense, de que doadores tomem suplementos vitamínicos com ferro e comam alimentos ricos em vitamina C (vide matéria de Amanda Wolff e Juliana Peruchini) pela mesma razão.

Aproveitando a menção, a matéria de Wolff e Peruchini foi elogiada pelo tema escolhido e pelas informações apresentadas. Porém, tanto as entrevistas quanto a foto de arquivo pessoal da fonte foram mal aproveitadas ao serem colocadas na metade final da matéria.

Ecos

Sobre isso, já bati na tecla de dar destaque pro case, de preferência já no topo. É o case que nos intriga, nos instiga, nos perturba a acompanhar o problema e pensar soluções. Doutor em Escrita Criativa, Daniel Gruber apontou justamente essa inversão de ordem para a reportagem.

Outra questão que apareceu de novo é a falta de um olhar mais social. Isso foi título da coluna anterior, inclusive. “Fez falta a informação sobre a relação de classe econômica e deficiência de nutrientes como possível causa direta, assim como o agravamento em caso de crise econômica”, escreveu Renato.

Informações conflitantes

De minha parte, fiquei confuso quanto ao espinafre — ele é condenado e louvado com três parágrafos de distância na matéria de Wolff e Peruchini. No caso do texto de Tedesco e Necchi, há conflito entre os infográficos sobre a idade máxima para a primeira doação, se 60 anos ou 61 anos.

Em outro tipo de conflito de informações, a matéria acima citada chama empolgadamente para conferirmos um vídeo nas redes sociais em que o repórter passa pelo processo de doação, porém não se encontra o vídeo em lugar nenhum. De modo parecido, o texto de Gabriel Ferri e Arthur Schneider, sobre doação de medula óssea, encerra com a frase “Saiba todas as orientações para se tornar um doador aqui”. E fim do texto.

Não, não tem link ali :-(

Frieza médica

Essa matéria, inclusive, singular em termos de foco, visto ter a medula óssea como tema, não consegue prender o leitor. Isso é tanto pela falta de um case quanto pela quantidade de informações abstratas, nomes criptográficos e dados jogados em sequência no leitor. Exemplos disso são: a imagem de abertura da matéria que tem como legenda “para o cadastro no REDOME é necessário uma pequena quantidade de sangue para a tipificação HLA” (algo que só explicado no 7º parágrafo), e os primeiros três parágrafos (uma chuva de nomes técnicos).

Se perde, nos termos médicos, a gravidade do problema que está se tratando com a transfusão de medula. Além de apontar isso, Renato também notou que a matéria não tentou situar os motivos prováveis para a falta de doadores.

Fotos e pessoas

A matéria de Amanda Wolff e Juliana Peruchini poderia suprimir os norteamericanos espelhados e usar apenas a foto da entrevistada ainda criança. O toque singular que essa imagem traria pra matéria deveria ser aproveitado, mas o texto acabou enterrando o case.

Sobre arquivos pessoais, Clarice Almeida poderia ter pedido fotos às fontes, ao invés de usar a captura de tela de videochamada, prática já amplamente criticada aqui. Na coluna anterior eu defendi: um bom retrato ou nenhum retrato.

Perspectiva institucional

A matéria de Luana Ely Quintana e Torriê Aliê geraram sentimentos mistos entre leitores. Daniel Gruber a considerou pouco envolvente, “parece mais uma matéria de assessoria do hospital que uma matéria pensada para engajar leitores na doação”, comentou. Thiago Tepasse, porém, disse ter adorado a matéria. Apenas apontou que poderiam ter comentado alguns benefícios que o doador tem, como a gratuidade na inscrição em concursos públicos e o fornecimento de atestado aos trabalhadores, por exemplo, e que o tema da medula óssea, mencionado no título, foi esquecido no corpo do texto.

No entendimento do ombudsman, a matéria mistura uma visada de bastidores sobre o trabalho de uma equipe de comunicação do banco de sangue do hospital com um pouco de serviço sobre o tema que tratam. Talvez esse meio de campo tenha gerado a confusão — se tivesse ido mais a fundo (ou a largo, com outras instituições) na investigação sobre o trabalho de comunicação e marketing para doadores, poderia ter vencido essa sensação de que o objetivo era ser outro serviço sobre doação de sangue no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, que justifica a impressão de press-release.

Conheça o conselho de Leitores 2022/1

Caroline Roveda Pilger, 34 anos. Nasceu e reside em Estância Velha, RS. É professora-pesquisadora, jornalista e ativista. Doutora em Comunicação (UFRGS), mestra em Processos e Manifestações Culturais (Feevale). Pesquisadora na área dos estudos feministas interseccionais e estudos críticos da Comunicação, com foco nas representações de corpos femininos na mídia. Atuou como editora, repórter, fotojornalista, diagramadora e assessora de imprensa.

Daniel Fernando Gruber, 37 anos, casado, com um filho. Nasceu e reside em Novo Hamburgo, RS. Formado em Jornalismo pela Universidade Feevale, mestre em Processos e Manifestações Culturais pela mesma universidade e doutor em Escrita Criativa na PUCRS. É proprietário e editor da editora O Grifo.

Gabrielle Oliveira, 33 anos, em relacionamento estável, não possui filhos. Nasceu em Portão, RS, mas reside em Novo Hamburgo. É formada em Administração pela Universidade Feevale. Atua na administração de matrizaria.

Renato de Azevedo Westphalen, 63 anos, casado, 3 filhos. Nasceu em Cruz Alta, RS. Formado em Arquitetura e Especialista em Geoprocessamento pela Unisinos. Aposentado no município de Novo Hamburgo, onde atuou por 30 anos. Sócio da Eira Arquitetura onde atua em projetos e assessoria.

Thiago Tepasse de Brum, 34 anos, casado, com um filho. Nasceu em Novo Hamburgo, RS, e reside em Xangri-Lá, RS. Formado em Gestão Ambiental na Unisinos e Doutorando em Tecnologia dos Materiais e Processos Industriais na Universidade Feevale. Atua como Coordenador de compras na Secretaria de Saúde do município de Xangri-Lá.

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