16. A Aula de Dança

“Blake, encoste no meu peito!”

A professora argentina falou com autoridade, e eu a obedeci sem pestanejar. Ela devia ter uns 50 anos.

Coloquei as palmas das mãos em suas clavículas. Enquanto ela andava pra frente, senti a tensão nos meus braços e andei pra trás, combinando cada passo meu com os dela.

No que ela parou, parei também. Quando ela girou seu tronco ou pesou mais um ou outro pé, eu a acompanhei.

Era 2008 e eu, com 26 anos, estava liderando minha primeira viagem do Unschool Adventures para a Argentina. Aparentemente, Alicia Pons estava ensinando meu grupo de jovens a dançar tango, me usando por um breve momento para demonstrar a arte de ser conduzido (no tango os pares são compostos sempre por um líder e um seguidor). No entanto, estava claro que algo mais do que tango estava acontecendo ali.

“Como um líder, você precisa transmitir sinais claros”, Alicia nos instruiu. “Você deve saber o que quer e então se mover decisivamente. Se não fizer isso, seu par não saberá como responder”.

Houve uma hora em que eu achei que estava numa sessão de terapia de casal.

“Se você não sabe o que quer, então pare de se mover. Apenas acerte o peso em seus pés durante alguns instantes. Está tudo certo”. Alicia balançava pra trás e pra frente de forma quase imperceptível; eu sentia os movimentos no seu peito e movia meu corpo para acompanhá-la.

Agora estávamos numa sessão de coaching de vida.

“Nos velhos tempos do tango argentino”, ela continuou, “toda pessoa precisava aprender a ser conduzido e a escutar profundamente antes de se tornar um líder, antes de arcar com tanta responsabilidade. Hoje temos muitos líderes ruins porque eles nunca seguiram a liderança de alguém antes”.

Agora, parecia uma aula sobre comunicação (e sobre teoria política também).

Ela se soltou de mim e entrou no meio do pequeno estúdio de dança. “Não importa se você está liderando ou sendo conduzido, você deve sempre andar com confiança. Levante seus braços acima da cabeça e respire fundo. Depois desça os braços, mas mantenha seu peito na mesma posição. Sinta sua coluna se alongar. Perceba sua nova estatura. Dessa forma é que você conseguirá se conectar com seu par no tango. Esteja atento ao seu caminhar onde quer que esteja”.

Alicia Pons. Fonte: Igor Polk.

Alicia havia acabado de sintetizar os princípios básicos da linguagem corporal.

“Numa milonga (um baile de tango), é comum dançar quatro músicas com seu par. Se você começa a dançar com alguém, você está se comprometendo a dançar quatro músicas. É deselegante parar antes, mas você sempre pode dizer não. Se seu par for desrespeitoso com você, saia imediatamente”.

Por último, um baita aprendizado sobre consentimento.

Por duas semanas em Buenos Aires, Alicia ensinou muito mais ao meu grupo do que somente tango — ela nos ensinou a como nos mover com graça, intensidade e confiança ao mesmo tempo em que permanecemos humildes, sensíveis e abertos aos feedbacks do outro. Por ter dançado, competido e ensinado ao redor do mundo, Alicia tinha um incrível repertório de movimentos para nos mostrar, mas ela se focou somente em uma lição: comunicação.

Aprendizes autodirigidos precisam se comunicar com confiança e clareza com outros seres humanos, não apenas com telas de computador. Precisamos defender nossos caminhos não tradicionais de aprendizagem frente aos nossos pais, chefes ou em entrevistas para ingressar em universidades e trabalhos novos. Precisamos trabalhar de forma colaborativa com nossas equipes e demais parceiros de projetos. Precisamos saber fazer boas perguntas, pedir ajuda e manter a firmeza perante os outros.

Mas nenhuma dessas habilidades de comunicação é fácil ou automática, e algumas delas podem ser bastante assustadoras.

O que descobri em Buenos Aires é que qualquer tipo de dança de pares é, na verdade, uma grande lição de comunicação que te ensina um conjunto de habilidades interpessoais as quais você nunca conseguiria aprender a partir de um livro, sala de aula ou site.

No meu caso, a aprendizagem ocorreu por meio do tango, mas tenho amigos que chegaram aos mesmos insights através do swing e do blues.

Faça a si mesmo um favor e dê um Google em aulas de danças como essas no seu bairro. Não deixe pra depois. Tango, swing, blues, dança de salão, o tipo de dança não importa, desde que envolva improvisação e não apenas passos coreografados. Vá sozinho ou acompanhado, o que te deixar mais confortável. Participe de algumas aulas e teste diferentes professores. Você saberá quando encontrar o professor certo, porque de repente você não estará mais aprendendo somente a dançar. Por meio da dança, você aprenderá a encarar a vida com mais atitude.

Aprenda a dançar, e dance para aprender. A comunicação é sempre o fator-chave.

Por uma nova forma de trabalhar e gerar valor

Ei! Sou o Alex. É com muita alegria que faço este blog.

Ofereço este e outros projetos gratuitamente para o mundo, mas ainda preciso de grana para me sustentar. Se quiser conhecer mais sobre o que faço, entre no meu site, e se entender que faz sentido sustentar meu trabalho com qualquer valor, apoie meu Unlock.

Qualquer coisa, entre em contato ;)

--

--

Alex Bretas
A Arte da Aprendizagem Autodirigida

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.