O colapso derradeiro da Vice

Em seu último suspiro, grupo de mídia está saindo do negócio de notícias, e seguirá o modelo de agência. Com uma estrutura de capital altamente alavancada e que gerou uma avaliação de quase US$ 6 bilhões, conglomerado perseguia uma escala interminável e não sustentável, que ditou o modelo de negócio desta indústria na década passada

Eduardo Mendes
5 min readMar 5, 2024

Shane Smith desembarcou em Cannes poucas semanas depois que a Vice havia anunciado falência em maio do ano passado. O fundador da até então gigante de mídia estava afastado do cargo de CEO desde 2018, mas atuava silenciosamente nos bastidores. E a viagem à Riviera Francesa era mais uma missão sigilosa em que ele usaria sua habilidade ímpar como negociador para que a empresa não virasse pó e desaparece para sempre.

A ida sagaz ao Cannes Lions, a conferência anual de publicidade que reúne vários figurões do mercado em busca de negócios, funcionou: em 23 de junho, saiu o anúncio de que um tribunal de falências havia aprovado a venda de US$ 350 milhões da Vice a um de seus investidores anteriores, o fundo de hedge Fortress. Para uma empresa avaliada em US$ 5,7 bilhões em 2017…

Há duas semanas, ou oito meses após o milagre feito por Smith, a Vice comunicou que está saindo do negócio de notícias. A partir de agora, seguirá o modelo de agência, distribuindo seus conteúdos para outras plataformas de mídia.

O que resta é a Vice TV, uma joint venture da A&E e da Vice, a agência de publicidade Virtue e da Vice Studios.

No memorando interno, o atual CEO Bruce Dixon informou também que “várias centenas” de colaboradores seriam demitidos a partir de março.

O truque de mágica feito por Smith e o colapso final da empresa foram detalhadamente contados pela Hollywood Reporter na última semana. E a pergunta deixada pelo repórter Lachlan Cartwright foi: como um gigante da mídia do Brooklyn avaliado em US$ 5,7 bilhões há apenas alguns anos acabou falindo e dobrando sua redação?

Em resumo, segundo o jornalista, a história da Vice pode se resumir a dinheiro, ganância e culto à personalidade.

O carisma de Smith e o grupo demográfico jovem da Vice levaram magnatas old school da indústria a abrirem a carteira no auge da marca. Entre eles: Bob Iger, da Disney, e um dos herdeiros dos Murdoch, da 21st Century Fox.

Em relato a Cartwright, um ex-executivo lembra:

“Sabíamos que, como indústria, a publicidade digital ia cair e queimar. Nos últimos 10 a 15 anos, essas empresas estavam perseguindo uma escala interminável que não é sustentável.”

A Vice “confiou no financiamento externo, levantando capital da dívida e do capital próprio para alimentar seu rápido crescimento e financiar despesas em certas partes do negócio”, escreveu Frank A. Pometti, um consultor contratado como diretor de reestruturação da Vice Media, em uma declaração de maio de 2023.

No fim, a estrutura de capital altamente alavancada e invulgarmente complexa mencionada por Pometti ajuda a explicar a falência.

Hoje, a Fortress tem uma visão diferente de reduzir os gastos gerais, e tenta trazer receita de várias empresas independentes. Uma pessoa próxima ao fundo contou à reportagem que a Vice se tornará uma empresa B2B e não seguirá mais uma estratégia direta ao consumidor na busca pela lucratividade pela primeira vez.

Nas últimas semanas, mostrei as investidas recentes da Minute Media e do Financial Times para rentabilizar a máquina da mídia a partir de estratégias direcionadas para nichos.

As quebras em sequência de grandes conglomerados e marcas nos últimos anos, como a Vice, repeliu o capital privado deste mercado. Será o momento para um retorno gradativo e ponderado?

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Eduardo Mendes

Advisor for Culture and Innovation | Co-Founder na The Block Point | Web3 & New Technologies | Strategy, Research & Content | Sports | Entertainment | Media