18. Prática Deliberada

Armados com uma Internet de alta velocidade, aprendizes autodirigidos podem hoje aprender sobre basicamente qualquer assunto existente. Dessa forma, dá pra aprender um pouco sobre inúmeras coisas. Mas e se uma pessoa quiser se tornar um especialista em algum assunto ou habilidade? Será que ela consegue fazer isso por conta própria ou será que ela precisa de algo mais?

Um experimento fascinante realizado em 1991 pelo psicólogo e pesquisador K. Anders Ericsson, que estuda a aquisição de habilidades profundas, pode nos ajudar a responder essas perguntas.

Para realizar o experimento, Ericsson levou sua equipe de pesquisa até a Academia de Música de Berlim, famosa por produzir violinistas reconhecidos mundialmente, e pediu aos professores para separar seus alunos em três categorias:

  1. Os melhores violinistas (aqueles com potencial de se tornarem solistas internacionais)
  2. Bons violinistas (aqueles com chances de conseguir vagas em orquestras de renome)
  3. Violinistas medianos (aqueles que provavelmente se tornarão professores de música)

A equipe de Ericsson então entrevistou os alunos a respeito de suas carreiras musicais, perguntando a eles quando eles começaram a tocar, quantas horas por semana eles praticavam, e como especificamente eles configuravam suas rotinas de aprendizagem.

À primeira vista, os dados revelaram semelhanças surpreendentes. Alunos dos três grupos estavam estudando violino por pelo menos uma década, e cada um despendia aproximadamente 51 horas semanais de exercícios, prática solo e aulas na academia de música. Se os pesquisadores olhassem apenas para esses números, seria impossível prever quem seriam os melhores violinistas.

Mas na medida em que os pesquisadores se aprofundaram mais nas entrevistas, uma perspectiva interessante emergiu. Eles descobriram que os melhores violinistas faziam um tipo de treinamento totalmente diferente dos outros, um tipo de prática que não era divertida nem tranquila, e sim difícil, desafiadora e incômoda. Ericsson começou a chamar esse tipo específico de treinamento de prática deliberada.

A equipe de Ericsson também descobriu que, ao passo que todos os violinistas estudavam durante mais ou menos o mesmo tempo na academia de música, os melhores acumularam significativamente mais tempo de prática deliberada mais cedo em suas vidas. Com 18 anos, os melhores violinistas já haviam acumulado uma média de 7.410 horas de prática deliberada; o segundo grupo, 5.301 horas; e o terceiro, 3.420.

Acumular muitas horas de prática deliberada parecia ser, então, o caminho para se alcançar a maestria.

Conforme outros pesquisadores começaram a estudar a prática deliberada, eles descobriram que ela não se aplicava somente à música, mas também ao xadrez, esportes, ciência, negócios e praticamente qualquer outra habilidade tangível e passível de ser medida.

As diferenças entre a prática deliberada (PD) e um treinamento normal são:

  • A PD requer que você saiba exatamente o que você quer alcançar. Por exemplo, “eu quero tocar esse riff da minha música preferida” e não “eu quero tocar guitarra melhor”.
  • A PD é desenhada para te proporcionar sempre saltos equilibrados de performance. O treino pode ser dividido em várias pequenas partes — nem tão difíceis, nem tão fáceis — que se ajustam exatamente ao seu nível atual.
  • A PD é sempre uma atividade passível de repetição. Assim, você pode trabalhar em cada pequena parte várias vezes até ser capaz de executar tudo com perfeição.
  • Durante a PD, sempre é possível obter feedback. Alguém com mais conhecimento na área monitora seu progresso e pode te dizer como você está evoluindo.
  • A PD é mentalmente demandante. Ninguém pode realizá-la por mais do que quatro ou cinco horas por dia.
  • Quando você está num treino de PD, a atividade não costuma ser muito divertida. Ao contrário, costuma ser extenuante e dolorosa.

A aprendizagem autodirigida geralmente começa com muitos estudos exploratórios individuais: ler livros, estudar no computador ou observar atentamente algo, por exemplo. Essas abordagens funcionam bem para se construir habilidades num nível superficial. Mas quando um aprendiz autodirigido está pronto para mergulhar mais fundo e começar a desenvolver maestria numa área, ele deve buscar alguém com bastante dedicação e experiência que o ajude a criar um ambiente de prática deliberada.

A prática deliberada é o coração do que as melhores escolas e faculdades e os melhores treinadores e programas de desenvolvimento oferecem. Por exemplo: por que o programa de tutoria da Universidade de Oxford, em que os estudantes se reúnem com professores diretamente em grupos de apenas dois ou três alunos, é considerado um dos melhores? Porque o grau de intimidade e a alta disponibilidade de feedback nos grupos abre espaço para que a prática deliberada ocorra.

Por que, em plena era digital, praticamente todos nós ainda reconhecemos o valor de um velho estágio de carpintaria? Porque sabemos que o treinamento repetitivo, mão na massa e com a orientação de alguém mais experiente é um método perene para quem deseja desenvolver uma habilidade.

Por que, nos tempos em que eu participava do acampamento Deer Crossing, eu voluntariamente vestia uma roupa de mergulho e pulava num lago congelante na montanha para fazer aulas de windsurf? Porque eu adorava a aprendizagem rápida que resultava das técnicas baseadas na prática deliberada adotadas pelo acampamento (e é por isso também que eu voltei lá para me tornar um instrutor de windsurf).

Aprendizes autodirigidos (como todo mundo) tendem a evitar a prática deliberada num primeiro momento porque ela é difícil, assustadora e consome muito tempo. Mas uma vez que você tenha provado os frutos do processo — o domínio profundo de algo — , você começa a valorizá-la. Qualquer aprendiz autodirigido que abrace e intencionalmente busque a prática deliberada torna-se uma verdadeira usina de aprendizagem.

Ao procurar por experiências de prática deliberada, não tenha medo de começar nos espaços educacionais mais tradicionais e estruturados. Frequentemente, quando um dojo de artes marciais, um estúdio de dança ou um centro de pós-graduação têm uma boa reputação, é porque eles sabem como promover a prática deliberada.

Para aqueles que não dispõem de tempo, dinheiro ou disposição para ingressar numa organização formal, outra forma de se lançar na prática deliberada é contratar diretamente um professor freelancer, tutor, mentor ou treinador que possa te proporcionar essa experiência. É possível encontrar alguém por meio da Internet, contactando alguma instituição local relacionada à área em que você quer se desenvolver ou através de indicações de amigos.

Não importa onde você esteja buscando, tenha em mente o excelente conselho do pesquisador e escritor Daniel Coyle:

Evite pessoas que se pareçam com garçons muito gentis. Pessoas que querem te deixar confortáveis, felizes e tranquilos a todo momento podem até ser ótimos garçons num restaurante, mas são péssimos treinadores de prática deliberada.

Busque alguém que te assuste um pouco, alguém que te acompanha de perto, alguém que prefere ir logo para a ação ao invés de ficar só conversando e que te dê feedbacks sinceros, ainda que angustiantes.

Busque alguém que te dê direcionamentos claros e diretos. Evite sermões e palestras — apenas curtas e inequívocas orientações que te ajudem a alcançar uma meta.

Busque alguém que sinta prazer em ensinar os fundamentos básicos. Alguém que não se importe em gastar uma sessão inteira focando em somente um pequeno detalhe.

Se todos os outros parâmetros estiverem iguais, prefira a pessoa mais velha. Ensinar é como qualquer outro talento: leva tempo para florescer.

Para evoluir suas habilidades e adquirir maestria, encontre as pessoas e lugares que te levarão mais longe do que você jamais conseguiria sozinho.

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Alex Bretas
A Arte da Aprendizagem Autodirigida

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.