Ganhos autodirigidos

19. Limpando Cocô para Chegar Lá

Um dos meus objetivos de mais longo prazo é começar meu próprio acampamento de verão, minha própria escola alternativa ou alguma outra iniciativa capaz de fazer uma grande e duradoura diferença na vida de jovens adultos.

É um sonho intimidador que me demandará grandes doses de dedicação, compromisso, dinheiro e, claro, aprendizagem autodirigida da minha parte.

Por sorte, tenho dois modelos de referência incríveis que me inspiram: Grace Llewellyn, a fundadora do Acampamento de Quem Não Volta à Escola, e Jim Wiltens, fundador do acampamento Deer Crossing.

Ao longo da minha terceira década de vida, tendo trabalhado em ambos os acampamentos, indaguei Grace e Jim incessantemente a respeito de como eles transformaram seus sonhos em realidade. Adoro as duas histórias, mas apenas a de Grace havia sido documentada até então — no início de seu maravilhoso e atemporal livro The Teenage Liberation Handbook.

A história de Jim se mostrou mais imprecisa e difícil de narrar, mas eu consegui fazê-la emergir entrevistando-o durante nossas viagens de mochilão com jovens em High Sierra na Califórnia, em sua casa no Vale do Silício e quando andamos de mula juntos na selva da Guatemala (com macacos pulando nas árvores acima de nossas cabeças), durante uma expedição de escalada de árvores pelas ruínas.

O que descobri não foi apenas uma história relevante para entusiastas de acampamentos como eu, mas também para qualquer aprendiz autodirigido com um sonho que dependa de muito trabalho frustrante, desafiador e às vezes sujo para ser concretizado.

Quando Jim Wiltens tinha 14 anos, sua mãe disse a ele que se ele quisesse entrar na faculdade, ele teria que trabalhar e juntar dinheiro para pagá-la. Sendo um ávido nadador e jogador de polo aquático, Jim decidiu começar uma escola de natação usando a piscina de seu quintal, dando aulas gratuitas para as crianças da vizinhança até que ele se tornasse conhecido o bastante para cobrar pelo serviço. No fim ele acabou não precisando usar o dinheiro que juntou porque ofereceram-lhe uma bolsa de estudos para atletas que custeou seus cursos de biologia e botânica.

Ao concluir seus estudos de pós-graduação, Jim se deu conta que o que ele gostava mesmo era de trabalhar para si próprio, ser treinador esportivo e estar em contato com a natureza. Quando sua mãe propôs a ideia de a família investir na criação de um acampamento de verão para crianças, ele prontamente disse sim.

A família de Jim fez a primeira tentativa no Havaí, onde eles encontraram uma antiga plantação de bananas que parecia um belo local para um acampamento. No entanto, depois de um ano de muita burocracia e dificuldades políticas na ilha, eles desistiram de ficar por lá. Eles voltaram para a Califórnia, Jim se mudou para uma tenda no quintal da casa de seus pais para economizar dinheiro, e a busca continuou.

A sorte bateu de novo quando eles encontraram uma fazenda de 16 hectares no extremo norte da Califórnia que parecia ser uma possibilidade real para o que eles queriam fazer. A fim de morar mais perto da propriedade, Jim aproveitou sua poupança universitária intacta para comprar uma pequena casa na cidade de Redding, próxima à fazenda, e também arranjou um trabalho num hotel de frente para o lago para continuar juntando dinheiro.

Sua primeira tarefa no hotel? Tirar cocô das casas flutuantes do lago.

A maior parte das pessoas com dois diplomas universitários teria pensado que um trabalho assim não era para ser feito por eles. Mas Jim não, porque seus pais haviam o criado para entender todo tipo de trabalho como uma oportunidade para desenvolver sua perseverança, ética e foco. Ele aprendeu a sempre trabalhar para si — até mesmo quando fosse um empregado, e até mesmo quando o trabalho fosse desagradável. “Se é para limpar cocô”, Jim disse a si mesmo, “então que eu seja o melhor limpador de cocô do mundo”.

Mas mesmo limpadores de cocô bem intencionados às vezes não tem sossego na vida.

A família de Jim estava perto de conseguir os alvarás de funcionamento que precisavam quando eles descobriram que certos “fazendeiros” da região (leia-se produtores de maconha) não gostaram de ter representantes da secretaria de saúde entrando em seu território. Falsos rumores de que o novo acampamento seria voltado para jovens delinquentes se espalharam. Durante a reunião do comitê de planejamento, os participantes, aos berros, manifestaram seu repúdio à permanência de Jim e sua família na região.

Não preciso nem dizer que os alvarás não saíram.

Triste por esse passo atrás, Jim vendeu sua casa em Redding, mudou-se de volta para a baía de São Francisco e começou a trabalhar como um técnico de purificação de água, aproveitando-se de sua formação científica. Neste ponto, sua família chegou bem perto de desistir do sonho de abrir o acampamento, mas mesmo assim Jim continuou guardando dinheiro.

Um corretor de imóveis que sabia da busca da família continuava ligando insistentemente para a mãe de Jim, mencionando um antigo acampamento de escoteiros perto do lago Tahoe. Muito cética, mas curiosa, a família decidiu ir ver o local.

O que eles encontraram foi um velho chalé com as janelas quebradas de frente para o lago que havia sido abandonado pelo movimento escoteiro devido à extrema dificuldade de operação. Com a luz hesitante de sua lanterna, Jim achou uma centena de colchões antigos de acampamento que tinham sido reivindicados por um exército de ratos, que os aproveitaram para construir seus ninhos do chão até o teto. Coisas sombrias saíam correndo de um lado para o outro entre as pilhas de colchão. No que Jim se precipitou enfiando uma pá debaixo da primeira pilha, um rato subitamente escalou o cabo e pulou nas costas dele. Como uma miniestrela de rodeio, o rato segurou firme enquanto Jim se sacudia e rodopiava, aflito.

Se por um lado o acampamento em si era um total desastre, os vizinhos mais próximos (e eventuais “fazendeiros”) estavam a 27 quilômetros de distância. O sistema de bombeamento e purificação de água congelava todo inverno, mas a experiência de Jim com construções subaquáticas (outra de suas tarefas no hotel onde ele tirava cocô) e tratamento de água resolvia essa questão. O serviço florestal estava aberto à possibilidade de utilização daquela área como um novo acampamento para crianças — o fato é que ninguém ainda havia tido a coragem (ou a burrice) de tentar.

A família de Jim, então, comprou a propriedade.

E assim teve início o ritual de fim de semana da família, que consistia em juntar todos numa van, dirigir por quatro horas e caminhar até o acampamento já de noite. Ensinando uns aos outros noções de encanamento e carpintaria, a família de Jim desentranhou e reconstruiu o chalé sob a luz de lanternas. No meio de uma forte tempestade, eles subiram em longas escadas para instalar placas gigantes nas janelas antes que o chalé fosse coberto pela neve. Toda segunda eles retornavam para seus trabalhos em São Francisco, exaustos mas felizes.

Dois anos depois, o momento que todos esperavam chegou. A família toda se reuniu e, com um dedo, Jim apertou o botão da descarga. Funcionou. Isso significava que todos os sistemas finalmente estavam em plena atividade: a parte elétrica, as bombas de água e o encanamento. Eles fizeram até uma dança da vitória no banheiro. No verão seguinte, o acampamento Deer Crossing nasceu.

Jim Wiltens me ensinou que, se você tem um grande sonho para o qual ainda não existe um caminho mapeado, você precisará da aprendizagem autodirigida.

Você sofrerá adversidades ao ir em busca do seu sonho. Você irá se deparar com becos sem saída. E, às vezes, você precisará limpar cocô (metaforicamente, eu espero) para fazê-lo acontecer.

Mas enquanto você estiver trabalhando pra você e usando cada oportunidade como uma trilha para avançar no seu sonho, as adversidades e os becos sem saída serão gerenciáveis.

Abrace as adversidades, faça o trabalho sujo quando necessário e sempre trabalhe pra você.

Por uma nova forma de trabalhar e gerar valor

Ei! Sou o Alex. É com muita alegria que faço este blog.

Ofereço este e outros projetos gratuitamente para o mundo, mas ainda preciso de grana para me sustentar. Se quiser conhecer mais sobre o que faço, entre no meu site, e se entender que faz sentido sustentar meu trabalho com qualquer valor, apoie meu Unlock.

Qualquer coisa, entre em contato ;)

--

--

Alex Bretas
A Arte da Aprendizagem Autodirigida

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.