20. Paixão, Habilidade, Mercado

Carsie Blanton cresceu na zona rural do estado de Virgínia, onde ela podia brincar nas colinas verdes e onduladas, caçar salamandras, ler livros e explorar livremente instrumentos musicais. Por ela se mostrar sempre uma criança alegre e engajada, os pais de Carsie decidiram não matriculá-la numa escola. Eles cuidaram para que ela buscasse seus próprios interesses e tivesse voz nas conversas adultas da casa, além de darem a ela grandes quantidades de tempo sem perturbá-la para ela poder fazer suas coisas.

Aos 13 anos, Carsie se descobriu apaixonada por tocar violão e compor músicas. Com 16, ela se mudou para o Oregon para viver numa república com outros artistas, e lá ela conheceu uma banda de funk que a convidou para fazer segunda voz e sair em turnê pelos Estados Unidos. Durante as viagens, ela começou a criar e lapidar cada vez mais suas composições próprias.

Após completar 20 anos, Carsie gravou e lançou alguns discos de forma independente, o que a levou a tocar em novos palcos e a pequenas grandes conquistas (como abrir o show do Paul Simon). Ela trabalhava em cafeterias antes dos shows para pagar as contas, mas depois de um tempo as vendas de discos começaram a lhe render algum dinheiro.

Ao invés de entrar numa faculdade, Carsie estudou com os melhores músicos, fez amizades com pessoas interessantes que conheceu na estrada e manteve seu antigo hábito de ler muitos livros difíceis. Ela também se apaixonou por dançar swing e fazia aulas da dança sempre que possível, até que começou a oferecer suas próprias aulas.

Com 28 anos, Carsie criou uma campanha de financiamento coletivo no Kickstarter com o objetivo de levantar 29.000 dólares para produzir um novo disco de jazz. Como contrapartidas para os apoiadores, ela ofereceu reservas antecipadas do disco, composição musical personalizada e várias outras recompensas interessantes.

Ela conseguiu alcançar a meta e mesmo assim continuou a todo vapor com a campanha, o que a fez chegar no valor de 60.000 dólares, suficiente não apenas para gravar o álbum, mas também para remunerar alguns dos melhores músicos de jazz para contribuir no disco, contratar uma equipe de comunicação e sair com toda a banda em turnê pelos Estados Unidos.

Criar uma campanha de financiamento coletivo é basicamente como começar um negócio num intervalo de tempo extremamente curto: você precisa desenvolver um produto, criar uma narrativa interessante, atrair um público, e então entregar tudo que prometeu. Assim como a maioria das startups, a maioria das campanhas de financiamento coletivo falham. Mas Carsie, uma jovem mulher desescolarizada que não teve qualquer tipo de estudo formal, conseguiu na primeira tentativa. Como?

Tendo viajado, se apresentado e dançado pelos quatro cantos dos Estados Unidos, Carsie havia construído uma impressionante rede de contatos, um elemento muito importante para o sucesso de campanhas de financiamento. Mas eu não acredito que este tenha sido o principal fator.

Carsie planejou cuidadosamente sua campanha, estudou financiamentos realizados por outros músicos, e colheu muitos feedbacks antes de lançar sua página. Fazer todas essas coisas certamente contribuiu, mas continuo achando que isso não explica tudo.

O que percebo é que Carsie, desde os primeiros anos de sua vida, recebeu uma educação que a fez muito boa em aplicar a aprendizagem autodirigida em favor das necessidades dos outros.

Com tudo isso que estamos falando sobre aprendizagem autodirigida, é fácil achar que devemos focar nossa educação somente em nós mesmos. Mas pessoas que, como Carsie, desejam transformar seus hobbies num meio de vida sabem que focar apenas em si mesmo é o caminho mais curto para a falência. Ao invés disso, precisamos descobrir como usar as coisas que amamos para informar, entreter, educar ou ajudar outras pessoas.

Tina Seelig, da Escola de Design da Universidade de Stanford, explica muito bem essa ideia a partir da tríade paixão, habilidade e mercado.

  • Se você é apaixonado por alguma atividade, mas não tem habilidade para realizá-la, então você é um fã (pense, por exemplo, em alguém super empolgado que está começando a aprender violão).
  • Se você é apaixonado por algo e já desenvolveu uma habilidade, então o que você tem é um hobbie (imagine alguém que sabe tocar bem violão).
  • Se você desenvolveu habilidade para realizar algo, se há um mercado para isso que você faz, mas você não tem qualquer prazer em fazê-lo, então você tem um emprego (pense num guitarrista que toca profissionalmente, mas que perdeu a vontade de tocar há muito tempo).

Ao combinar os três elementos — paixão, habilidades e mercado — você chega num terreno sagrado: um trabalho significativo que também paga as contas (pense numa musicista, como Carsie, que adora estar no palco e que consegue viver disso).

Paixão, Habilidade e Mercado. Créditos: Shona Warwick-Smith. Fonte: Alternatives to School.

Aprendizes autodirigidos geralmente são muito bons em identificar suas paixões. Quando necessário, eles também sabem como desenvolver habilidades. Mas encontrar (ou criar) um mercado? Essa é a parte difícil, porque significa que eles precisam parar de pensar somente neles mesmos e começar a tentar compreender outras pessoas.

Compreender as necessidades de outras pessoas, penso eu, é exatamente o que Carsie estava fazendo em sua juventude cheia de aventuras.

Tocar em shows? Um exercício de descoberta dos gostos das pessoas.

Trabalhar em cafeterias? Um exercício sobre como se mostrar útil para seu empregador.

Dar aulas de dança? Um exercício de ensinar as pessoas a aprenderem algo complexo.

Ao prestar atenção às necessidades dos outros ao mesmo tempo em que construía suas habilidades e aprofundava suas paixões, Carsie criou um caminho de educação autodirigida que não era somente sobre si. Dessa forma, quando chegou a hora de lançar sua campanha de financiamento coletivo, ela não cometeu o erro básico de não olhar para os lados. Ao contrário, ela criou algo que as pessoas realmente queriam.

Faça o que você ama, mas também se atente para as necessidades dos outros — é assim que a aprendizagem autodirigida pode se converter em ganhos autodirigidos.

Viver uma vida sem escola não é uma escolha fácil. É muito parecido com alguém que trabalha para si mesmo. É uma ótima forma de se viver, mas não é pra todo mundo. Quando aprender de maneira autodirigida fica difícil, alguns jovens se sentem como adultos que se perguntam, “Será que eu posso ter meu emprego de 40 horas por semana de volta?”

Ken Danford, cofundador da North Star, uma escola de aprendizagem autodirigida para jovens

Um pouquinho da Carsie Blanton. Fonte: Youtube.

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Alex Bretas
A Arte da Aprendizagem Autodirigida

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.