O novo lugar para falar sobre basquete imune à cultura clickbait

Apresentado por LeBron James e JJ Redick, Mind The Game fez a estreia hoje, e se propõe a debater os detalhes do jogo, mirando crescimento “100% orgânico.” Lema defendido por criadores desafia a máquina do engajamento na luta pela retomada da autenticidade em meio ao consumo passivo dentro de uma cultura achatada e homogeneizada

Eduardo Mendes
5 min readMar 19, 2024

LeBron James está explicando para JJ Redick sobre a ação do BOB (baseline out-of-bounds) mais comum na NBA: o conjunto pick-the-picker ou screen-the-screener. Enquanto o líder do Los Angeles Lakers gesticula, o ex-jogador e atual comentarista da ESPN faz algumas anotações no papel.

As garrafas de vinho sobre a mesa não passam despercebidas, apesar de não ter foco direcionado para mostrar propositalmente o rótulo. E, em meio às análises minuciosas, os criadores e host do Mind The Game degustam uma taça.

Antes de começar, LeBron, empolgado, faz um pedido:

“Quero ter a certeza de que estamos na mesma página, com a certeza do que estamos fazendo… Isso é para celebrar o jogo!”

As cenas curtas estão entre os teasers divulgados nas mídias sociais para esquentar a estreia do podcast da dupla nesta terça-feira.

Nas quadras, eles nunca atuaram juntos. Com um histórico acumulado de 35 enfrentamentos, LeBron venceu 24 e ostenta números para chamar o novo sócio de freguês! Fora das quatro linhas, por sua vez, prometem entrosamento digno do conhecimento elite acumulado sobre o jogo.

É bem provável que a Uninterrupted e a ThreeFourTwo Productions, as companhias de mídia de James e Redick, juntaram-se para atender a um antigo desejo do hoje analista manifestado no mês passado.

Depois de participar de um acalorado debate ao vivo em que questionava Doc Rivers, treinador do Milwaukee Bucks, JJ Redick desabafou:

“Posso fazer um vídeo em meu podcast onde analiso os últimos nove jogos em que os Pelicans usaram o Zion Williamson como armador… 54.000 visualizações no YouTube. Mas quis questionar um treinador ontem. Ah, isso dá dezenas de milhões de visualizações. Esse é o ecossistema em que vivemos. E aí, os fãs realmente querem ser educados ou não?”

Em Mind The Game, não haverá espaço para sensacionalismo e clickbait.

E LeBron já está 100% comprado do lema do seu companheiro de estúdio e negócio. Ao The Athletic, ele sintetizou a proposta de valor do podcast: trata-se de uma conversa pura sobre basquete, e não será projetado para a cultura e os cliques da Internet. E para ser o mais orgânico possível, o programa também começará sem ter patrocinadores corporativos.

Na década da idolatria ao algoritmo e da cultura achatada que nos moldou para abominar o que é diferente, King James e JJ Redick travam uma batalha contra a máquina do engajamento na tentativa de retomar a originalidade perdida.

“Tudo existe dentro do contexto algorítmico de consumo passivo e sem atrito.”

Este é um trecho do recém-lançado livro de Kyle Chayka. Em “Filterworld: How Algorithms Flattened Culture”, o autor discute sobre a homogeneização da cultura como o resultado líquido de tantos algoritmos.

Os insights da obra de Chayka foram usados por Maarten Walraven para derrubar o discurso de que a mídia social prospera com autenticidade:

“Essa autenticidade é específica para impulsionar as métricas com as quais a plataforma ganha dinheiro: engajamento, engajamento, engajamento. Quer se trate de curtidas, tempo de exibição ou repostagens, isso significa que somos alimentados com mais coisas que nos darão essa reação.”

Além de terem assumido o papel de distribuidoras dos conteúdos e de replicarem os comportamentos uniformes, as redes sociais deterioram os canais tradicionais de mídia, tornando-se os novos lugares para consumo de notícias.

Ao analisar a distribuição online e entender como as pessoas buscam por informações nos tempos de TikTok, Ryan Broderick concluiu que podcasts e e-mails são os únicos modelos que não precisam de intermediários corporativos. Para o insider sobre tecnologia e mídia, “é ali que o futuro da mídia digital tem que viver” por que funcionam “como protocolos abertos.”

De acordo com a Edison Research, a média diária de audição de podcasts nos EUA (para pessoas com mais de 13 anos) cresceu 20 minutos na última década. Dados da Activate mostram que o tempo gasto com áudio aumentou cerca de 40 minutos por dia desde 2016.

Se o valor do setor de mídia encontra-se estagnado dentro de uma cultura homogênea, a sua distribuição não está.

Com Mind the Game, LeBron e JJ Redick podem não só comprovar esta máxima.

Parafraseando Maarten Walraven, o novo programa desponta para ser um daqueles lugares renovadores de originalidade enquanto a cultura de massa compartilhada ainda não se esgota.

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Eduardo Mendes

Advisor for Culture and Innovation | Co-Founder na The Block Point | Web3 & New Technologies | Strategy, Research & Content | Sports | Entertainment | Media